PENSO SOBRE — Chabouté e o que nos conta aquilo que é ordinário em “Um Pedaço de Madeira e Aço”

Ivan de Melo.
4 min readDec 26, 2020

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capa da edição publicada pela “Pipoca e Nanquim” em 2018

Desde sua estreia como editora, a Pipoca & Nanquim tem apresentado aos leitores brasileiros uma série de obras até então inéditas de autores que receberam grande prestígio internacionalmente. Um destes nomes é o de Christophe Chabouté, quadrinista francês que desde o final da década de 1990 tem produzido um grande número de álbuns e conquistado premiações mundo afora. Do autor a editora já publicou quatro títulos por aqui: Moby Dick (2017), Um Pedaço de Madeira e Aço (2018), Solitário (2019) e mais recentemente Henri Desiré Landru (2020), este último vencedor de uma das categorias do Festival de Angoulême, uma das maiores premiações da nona arte. Já há algum tempo estava me coçando para ler algo do autor e fiquei bem feliz de ter começado por Um Pedaço de Madeira e Aço que comento um pouco a seguir.

Como escritor, me pego por vezes sentado na frente do computador com uma certa ideia na cabeça e uma pergunta que é ao mesmo tempo estimulante e massacrante: como contar essa história? Gasto algum tempo em meditação, crio alguns esboços, de vez em quando preciso parar o processo e retornar a ele mais tarde, também há dias em que simplesmente deixo a tal ideia de lado. Esses questionamentos são sempre diferentes e perseguem a ideia a que insisto naquele momento: como contar a história desse personagem? Mas também: como contar a história desse lugar? Ou ainda: como contar a história desse objeto? Arrisco dizer que a resposta para a primeira pergunta seja um pouco menos complexa que às duas últimas, mas também a estas encontramos ótimas respostas na literatura como na série O Tempo e o Vento (Cia. das Letras, 2013) de Érico Veríssimo e em contos de Lygia Fagundes Telles como O Anão de Jardim (em A Noite Escura e Mais Eu, Cia. das Letras, 2009), entre outros exemplos. Os quadrinhos também têm respondido a estas duas perguntas de maneiras interessantes. Em Aqui (Quadrinhos na Cia., 2017), Richard McGuire conta de forma engenhosa a história de um único recorte de espaço ao longo do tempo, e em Um Pedaço de Madeira e Aço Chabouté nos conta a história de um único objeto, um singelo banco de praça.

Sim, um banco de praça. Ao longo de mais de trezentas páginas o autor constrói toda a história de vida de um objeto que integra uma paisagem comum e que se torna palco (ou protagonista?) de uma série de situações daqueles que o frequentam. São anônimos que ali sentam para descansar e ver o tempo correr, são moradores de rua que ali tentam dormir, são amigos que se encontram ali para conversar, são encontros furtivos de um casal apaixonado, diálogos entre estranhos que poderiam ter acontecido, são momentos de alegria e momentos de tristeza, são as estações que passam, as reformas necessárias, os cães que insistem em uriná-lo, os jovens que insistem em pixá-lo. Apesar do conjunto diverso de cenas, nada nesta história é aleatório, Chabouté demarca seus anônimos e reconhecemos também as histórias de cada um a medida em que retornam ao banco e fazem dele espaços outros. Esse vai e vem faz de Um Pedaço de Madeira e Aço uma reflexão sensível sobre o tempo e também sobre a memória impregnada nos espaços e nos elementos que o compõem, tudo isso com um pouco de melancolia e humor.

Como se não bastasse o argumento, Chabouté impressiona também com a beleza de seu traço. O autor faz um uso muito preciso do preto e branco, o que é uma característica sólida em todos os seus trabalhos. Particularmente neste álbum também são abolidos os balões de fala, o que faz da obra uma verdadeira aula de arte sequencial que não peca em comunicar nenhum detalhe. Esta é uma super dica de leitura que é rápida, mas nada rasa e pode ser uma ótima porta para aqueles que estão começando a ler quadrinhos.

PENSO SOBRE é a tag que acompanha as resenhas, pensamentos e comentários sobre as obras que leio. São textos curtos e sem spoiler que podem servir como um review dos títulos para aqueles que se interessarem pela leitura.

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Ivan de Melo.
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Written by Ivan de Melo.

Historiator, bibliófilo e amante do aleatório. Por aqui uma curadoria de tudo o que me atravessa.

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