PENSO SOBRE — As sabedorias antigas: as filosofias do prazer entre gregos e romanos
Encontrei Michel Onfray pelo meu caminho de leituras quando procurava por maiores referências sobre o hedonismo para a escrita de um texto que até então martelava em minha mente. Eu tinha até ali, como de praxe, uma visão muito mediana do que poderia compreender como hedonismo, a meu ver um modo de vida que priorizava o prazer acima de todas as coisas, que flertava aqui e ali com o niilismo e que possuía muito mais atributos negativos do que positivos em si. Ao ler A Potência de Existir (WME Martins Fontes, 2010), uma súmula do pensamento de Onfray, toda essa minha perspectiva anterior foi profundamente alterada. Não me deterei aqui sobre esta obra, mas basta dizer que o autor procura restabelecer o hedonismo como uma prática ou atitude filosófica aplicada a vida daqueles que a estudam, uma filosofia de viés materialista que teria muito a oferecer à própria experiência de mundo.
O projeto de Onfray em prol da filosofia hedonista não se encerra naquele livro, mas se estende em um ambicioso exercício teórico que teve início em 2006 com o que tem chamado de uma Contra-História da Filosofia. Para o autor que é um dos filósofos mais produtivos e lidos da França contemporânea, a história da filosofia Ocidental está arraigada em um modelo idealista que remonta a tradição grega do platonismo e que foi sendo formatada ao longo da história seguindo os ideais de uma tradição cristã. O resultado disso é uma história da filosofia homogênea e opaca presente de forma uniformemente cronológica em muitos manuais por aí. Onfray rompeu com esses modelos em 2002 quando deixou de dar aulas numa escola privada para fundar a Université Populaire de Caen, uma universidade aberta e gratuita voltada para um ensino filosófico materialista, que pudesse pensar e servir como instrumento para a vida cotidiana. A sua Contra-História da Filosofia é uma tentativa de reabilitar estes autores e correntes filosóficas marginais, ou seja, aqueles que por um motivo ou outro não figuraram nos cânones da filosofia Ocidental, ou ainda que propõem pensamentos desviantes e materialistas ao pensar temas como o prazer, o corpo, a natureza material, a vida física dos homens, a estética, os sentidos, a fenomenologia, entre outros temas relacionados.
O primeiro volume que abre a seleção de Onfray é As Sabedorias Antigas e o rol de pensadores antigos comentados é extenso, mesmo que de alguns pouco se possa falar pela falta de vestígios históricos, e entre gregos e romanos estão: Leucipo, Demócrito, Antífon, Eudóxio, Pródico, Diógenes de Sínope, Aristipo de Cirene, Epicuro, Lucrécio, Filodemo de Gádara e Diógenes de Enoanda. Além de apresentar estes filósofos, Onfray comenta seus pensamentos esforçando-se para aproximá-los de seu discurso que os arregimenta em um só grupo a partir de algumas tiradas e anacronismos controlados. A perspectiva do autor, é preciso salientar, não se isenta de ser onipresente na obra, portanto cada texto também trata de alfinetar os filósofos idealistas que muito fizeram para o apagamento ou para a difamação dos seus adversários à época, papel interpretado por nomes como Platão e Aristóteles neste primeiro livro. Um dos afetados por essas articulações é Epicuro e Onfray dedica a este e aos propagadores da filosofia do Jardim boa parte deste primeiro volume. Epicuristas e cirenaicos e a forma como estes pensadores produziram éticas e dietéticas do prazer do corpo e da mente, da consciência dos desejos e das práticas de volúpia, do culto à liberdade ante os deuses e da recusa do sofrimento, constituirão uma das bases do pensamento do francês e retornarão em distintos momentos ao longo da coletânea (enquanto escrevo este texto leio já o terceiro volume).
Terminado este volume eu já estava enredado pela visão hedonista da filosofia, um desafio de ser aplicada ao cotidiano como bem incita o autor, mas que me impulsiona a seguir lendo os livros da série por estes olhares outros a que somos apresentados sobre algumas figuras chave da filosofia Ocidental e algumas outras genericamente desconhecidas. Atualmente sua Contra-História da Filosofia já conta com doze volumes sendo o último La résistance au nihilisme publicado em meados de 2020. Aqui no Brasil as obras de Michel Onfray são publicadas pela WMF Martins Fontes e o último título desta série por aqui foi o sexto volume, As Radicalidades Existenciais, lançado em 2017. Quero crer que logo a editora volte a estas publicações, apesar da sua extensão. No mais, tenho indicado Onfray para todo mundo, mesmo para aqueles que não gostam de filosofia, minimamente pela visão de mundo a qual ele provoca. A dica é: comece pelo A Potência de Existir, conheça as bases das teorias do autor, e se jogue em toda a sua obra.
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